Para onde quer que me vire
só ouço os argumentos estafados,
mentirosos, absurdos e irrealistas
de oráculos sem pátria nem memória,
comentando o País-empresa como se não
tivesse gente lá dentro, humanidade,
pessoas vivas com direitos,
herdeiras das lutas de outras,
agora votadas à miséria como se a um fado,
os filhos a emigrar para serem portugueses
noutro lugar qualquer, para serem saudade outra vez,
para serem longe, para serem outros, para serem.
E os profetas a repetir
o que já não podemos ouvir,
como se não houvesse remédio,
ou fôssemos todos remediados,
partindo de uma igualdade mirífica,
miragem de quem tem o espelho por horizonte,
de quem se toma e ao presente
por uma unívoca realidade comum
esquecendo que um povo é quase só
o que foi, é quase só passado,
guerras, glórias, conquistas,
é quase só memória,
e muito mais do que apenas
os seus notáveis e admiráveis,
e muito mais do que um mercado
e também mais do que um futuro
e sempre mais do que a Eurozona
toda reunida que é bem
espremida muito pouco.